A hipnose como técnica terapêutica em crianças
por Rita de cassia da Silva - Psicóloga
Neste trabalho, quero elucidar sobre alguns pontos que considero importante para uso de técnicas terapêuticas com crianças. Primeiramente, pretendo fazer um histórico da Técnica de Hipnose, que foi a que mais me interessou para meu trabalho com crianças. Dentre toda a proposta sobre hipnose, esta técnica vem de encontro e corresponde com as necessidades que os profissionais têm durante o trabalho clínico. Inicio com um histórico sobre o tema e em seguida algumas explicitações da técnica em si e sua aplicação em crianças.
HISTÓRIA DA HIPNOSE
A história da hipnose iniciou muito antes da existência de qualquer relato escrito da história humana [1]. Nas cerimônias religiosas e de cura de todos os povos primitivos que já habitavam nosso planeta, encontramos elementos essenciais para induzir os participantes ao transe hipnótico. Seguindo este raciocínio, ainda existe em cerimônias em povos da África e na Austrália, através de cantos rítmicos, batidas monótonas de tambores, juntamente com o olhar fixo nos olhos, acompanhado de catalepsia (sensação de ficar imobilizado) do resto do corpo.
O estado de transe existia e seu caráter era hipnótico, apesar de ser usado em cerimônias religiosas, curandeirismo ou a combinação de ambas, e apesar da palavra “hipnose” jamais ter sido aplicada antes de Braid cunhar o termo em 1842.
De acordo com Bauer (2002)[2], na China antes de Cristo, já se induzia a um certo tipo de transe hipnótico, para buscar-se uma aproximação entre os pacientes e seus antepassados. Também na mitologia grega encontramos elementos hipnóticos onde Asclépio aprendeu com Centauro um tipo de sono especial que curava as pessoas, onde muitos dormiam no tempo e durante a noite se dava a cura.
No século XI Avicena, sábio iraniano, filósofo e médico acreditava que a imaginação era capaz ou de enfermar a pessoa ou de curá-la. No Século XVI, Paracelsus, pai da medicina hermética, acreditava na influência magnética das estrelas na cura de pessoas doentes. Mas, foi com Franz Anton Mesmer, século XVIII, que se inaugura a fase científica da hipnose. Deste modo, a história formal da hipnose se deu em 1765 com os trabalhos de Mesmer com seu magnetismo animal, onde ele propunha a cura por uma ab-reação da harmonia orgânica, produzida por uma inadequação de fluídos magnéticos invisíveis. Neste momento o nome que dava a este fenômeno (que mais tarde foi proibido) era mesmerismo e não hipnose.
Foi no século XIX, com James Braid (1795-1860), que se cunhou o termo hipnotismo, que vem do grego hypnos, sono. Neste momento aparecem os nomes de Esdaile, Charcot, Liébault, Bernheim ligados à hipnose.
No início do século XX, temos Ivan Pavlov, médico russo, Pierre Janet, francês e Sigmund Freud, todos ligados de alguma forma à hipnose antes da Segunda Grande Guerra Mundial. Após a guerra, temos Simmel, psicanalista alemão, Hull, professor de psicologia, Kris (1952) com a regressão dirigida a serviço do ego, Weitsenhoffer que caracteriza o transe como experiência naturalista, Gill e Brenmann, também com a regressão, Fromm, Oberlander e Grunenwald com regressão. Foi Milton H. Erickson (1901-1980), psiquiatra, que percebe e trabalha a natureza multidimensional do transe, que se modifica de pessoa a pessoa. Para Erickson a cura vem de dentro da pessoa que deseja se curar e a indução é uma arte que pode ser desenvolvida por todos, pois, naturalmente, pode se aprimorada de dentro para fora.
Enfim, o que sabemos hoje sobre a hipnose é que ela pode, através da regressão de idade, à descoberta de experiências danosas e levar o paciente a revivê-las para produzir uma catarse mental. A ciência e a arte do hipnotismo contém tanto análise quanto sugestão, e quando corretamente aplicada, não apenas fraciona o problema em seus componentes para análise, mas recompõe o indivíduo novamente com uma síntese.
A hipnose se caracteriza por transes onde encontramos o transe leve, o transe médio e o transe profundo. Ela é um estado de atenção focalizada onde não se perde a consciência e onde ocorre modificações na percepção num nível mais profundo de transe, ocorrendo também o desligamento da atenção vigilante. É só no transe profundo que ocorre amnésia total. Para a prática da psicoterapia, o transe leve e médio é mais recomendável, pois o paciente aceita mais facilmente a sugestibilidade, ponto muito importante dentro da hipnose terapêutica. A sugestibilidade é a capacidade de responder a sugestão, ela é uma abertura para aceitar novas idéias, novas informações e se aceita pelo paciente ela pode alterar a experiência da pessoa levando-a a acreditar na mudança que ela deseja.
HIPNOSE EM CRIANÇAS
Com a criança a técnica de hipnose pode ser aplicada naturalmente, pois, a criança facilmente vive estados de transe e absorção da atenção [3]. Quando estão envolvidas em brincadeiras ou jogos, elas vivem intensamente como se fosse parte daquilo. Podemos perceber como a criança fica absorvida completamente quando lhe contamos histórias. Assim, com a criança as técnicas formais às vezes precisam ser deixadas de lado e precisamos usar de extrema criatividade e sugestão. A sugestão pode ser usada com a criança a fim de alterar uma experiência ruim. O transe em crianças se processa de forma diferente, nem sempre a criança ficará de olhos fechados e nem sempre ela ficará em catalepsia.
Com as crianças precisamos usar palavras diferentes, palavras protetoras. As palavras: saudavelmente, protegidamente, agradavelmente, magicamente, brincando, desfrutando, aprendendo, criam expectativas positivas. As pessoas de forma geral sempre respondem positivamente a expectativas positivas, é como se mostrássemos a elas que a enxergamos carregando positividade. Estas palavras de estimulo são fundamentais, pois a terapia é ser o outro que provoca melhoras.
É possível também, com a criança (e com os adultos), redefinir o problema como uma técnica hipnoterápica. Redefinir é uma abordagem que visa colocar o sintoma de uma forma diferente. Redefinir uma nova perspectiva, colocar o problema sob uma nova ótica ou recolocar o problema para fornecer uma atitude positiva e alternativa para uma situação sintomática. A recolocação ocorre no nível de atitudes, pois os clientes tomam uma série de atitudes diante dos seus problemas e sintomas. A redefinição deve seguir o caminho da cura, da solução do problema da criança.
A hipnose moderna também utiliza símbolos para proporcionar processos de mudanças. Os símbolos são recursos que podem ser usados de várias formas: estabelecer metas, trabalhar mal estar, criar imagens de mudanças, imagens de proteção. São imagens que geram mudanças e facilitam processos saudáveis de novas associações. Com as crianças podemos utilizar símbolos infantis, tais como cores, desenhos, historinhas, metáforas, etc. Todos podem ser utilizados para a instalação de recursos. Recurso é uma imagem interna de força ou de poder para realizar uma tarefa. Instalar recursos é uma forma de metaforizar mudanças, é criar uma imagem interna com valor, é mostrar as possibilidades de cada uma. Trabalhar com instalação de recursos significa falar à criança sobre soluções e não sobre problemas. Se ganha mais com as crianças, falando das soluções e adaptações do que focando problemas.
Enfim, as crianças gostam muito das técnicas de hipnose, pois estas permitem que elas manejem seus corpos, além de possibilitar o desenvolvimento de suas capacidades e recursos. Quando bem utilizada, a hipnose, pode representar um bom rapport, ou facilitar a aliança terapêutica fundamental para o processo psicoterápico.
[1] . Fonte: Texto extraído do Journal of American Institute of Hypnosis, funda por Willian J. Bryan Jr. M.D. e é datado de Janeiro de 1963. Editado e traduzido para o português pela Dra. Anne H. Spencer, PH.D., em junho de 2004.
[2] . Fonte: Bauer, Sofia M. F. Hipnoterapia ericksoniana passo a passo. Campinas: Editora Livro Pleno, 2002.
[3] . Fonte: Apostila: Técnicas de Psicoterapias Infantil, Ciclo Ceap, Ministrante: Gastão Ribeiro, 2005.