Abuso de Drogas e Álcool. Parte 1

06/10/2009 09:42

Por Rita de Cassia da Silva

 

1 - Apresentação

 

O presente texto pretende discutir o abuso do álcool e de drogas. Abordarei alguns fatores históricos e sociais, os mecanismos neuroquímicos implicados, a genética do abuso do álcool. Para a análise do fenômeno do alcoolismo é preciso considerar três fatores importantes, a personalidade (fator psicológico), o momento sócio-cultural (aspectos social, cultural e econômico) e o produto (bebidas alcoólicas).

O primeiro fator a entender diz respeito ao termo abuso de drogas. Num sentido amplo este termo refere-se a qualquer uso que fere normas sociais ou legais, numa determinada época e numa dada sociedade. Isso compreende qualquer uso de drogas ilícitas ou o uso inadequado de drogas lícitas (ex. bebidas no horário de trabalho), e o uso de medicamentos sem prescrição médica. O DSM-IV (1994) restringe o significado de abuso aos não dependentes de drogas que usam essas substancias de forma recorrente e desadaptada. Além disso, o mesmo DSM-IV define dependência como um padrão desadaptado de uso de drogas psicoativas, levando a perturbações clínicas importantes, associado à dificuldade de controlar o comportamento de auto-administração da substância. A dependência não é uma condição do tipo tudo ou nada. Há graus variáveis de dependência que vão, num continuum, desde o grau mais leve até o mais intenso.

Vale lembrar que o que é ilícito em uma dada sociedade pode não ser em outra. As bases biológicas do comportamento de auto-administração de drogas interagem com influências sociais, culturais e políticas. Assim, o abuso em uma sociedade pode ser licito em outra. 

Influências legais, políticas e econômicas são muito importantes no abuso de drogas. As leis determinam quais as drogas lícitas e as ilícitas, se o consumidor é criminoso ou apenas o traficante, e como estabelecerá tipos de punição a que estão sujeitos. Estes aspectos influenciam o consumo.

 

A ingestão de bebidas alcoólicas aceita na maioria dos países, não é tolerada nas nações islâmicas, por outro lado, a maconha é usada livremente no Afeganistão, ao contrário do que ocorre em muitos países, onde seu consumo e comercialização são ilegais. A bebida alcoólica, junto com o tabaco, é a mais consumida no mundo, exatamente por ser aceita nos países e de livre comercialização. É considerada uma droga de recreação. Iniciaremos com uma explanação sobre o álcool por ser a bebida mais consumida e aceita pela maioria dos países.

 

2 - A bebida alcoólica

 

A bebida alcoólica (e alguns tipos de alucinógenos) sempre existiu na história da humanidade, fez e faz parte das diversas culturas em cerimônias e rituais religiosos. Não é deste tipo de utilização do álcool que pretendo abordar neste trabalho, e sim daquela que entra no corpo do indivíduo, invade sua consciência, altera-a e aliena o sujeito, transformando-o em coisa. 

A alienação que enfatizo, é alienação do sujeito, é alienação de si próprio ou auto-alienação. É a alienação do homem em relação a si próprio, às suas possibilidades humanas. É um tipo de alienação que vai acontecendo através de sua própria atividade. É uma alienação que não atende ao apelo de uma modificação de si mesmo e nem modificação do mundo em que vive. O indivíduo alcoólico ou drogado é aquele ser, que vai se tornando pelo consumo, alheio, estranho e alienado dos resultados da sua própria atividade, da natureza onde vive e de outros seres humanos. 

Com a utilização de drogas para diminuir sua angústia o sujeito acredita estar solucionando o problema, mais tarde percebe, que sua angústia em relação à vida tomou proporções maiores, e seu viver ficou muito perigoso. É como se a vida não oferecesse mais saídas e chegadas. Este indivíduo perde a esperança, desiste de lutar no meio de uma sociedade que também é alienada. Este assunto é muito vasto e não seria possível esgotá-lo neste trabalho. 

Muitos enfoques são dados à questão do alcoolismo e das drogas, aqui me utilizo uma leitura sócio-histórica para falar da construção social do fenômeno. Em alguns momentos usarei o termo adicto para o usuário de álcool e drogas, por ele etimologicamente, significar escravo. Como escravo, o alcoolista se anula, não assume o compromisso consigo mesmo e nem com os outros. Foge da realidade quando não encara a vida. 

Pretendo fazer uma abordagem mais compreensiva do que repressiva do problema das drogas. É imprescindível inserir este problema num contexto mais amplo, o histórico e social, para que se chegue a uma visão mais abrangente e relevante do problema, ultrapassando os preconceitos, as atitudes moralizantes e repreensivas e as medidas repressivas. 

A sociedade atual legitimou a corrupção, a especulação, a desconsideração pelos valores humanos, pela vida e pela natureza. Vivemos uma realidade dura e difícil de ser encarada. Nossa sociedade é marcada pela desestruturação, violência e miséria. O estado capitalista faliu em sua proposta de uma sociedade de consumo e acúmulo de capital como bem supremo que garante a vida e o prazer a todos. 

O acúmulo de capital e o consumo estão nas mãos de uns poucos, sendo que a maioria da população não tem acesso aos bens produzidos. O que se deu é uma perseguição ao acúmulo de capital e uma produtividade tal, que tornou o homem um ser robotizado, produzindo mercadorias, das quais pouco acesso possui por não receber salário suficiente para adquiri-las. Dentro desse processo social encontramos o ser humano alienado no trabalho e na posse dos bens, quando consegue adquiri-los. 

Estabeleceu-se assim, o culto a mercadoria, onde ela passou a ter vida, é o fetichismo. Fetichismo acontece quando os objetos se tornam inanimados e sujeitos sociais, enquanto que as pessoas são reduzidas à condição de objetos. Viramos o consumidor. A vida humana perdeu seu valor. A VIDA NÃO VALE MAIS NADA por isso mata-se facilmente por causa de qualquer objeto ou mercadoria. Acontece hoje uma inversão de valores tão grande e destruidora, que a sociedade como um todo não despertou para suas conseqüências. O culto ao armamentismo que dizima vidas alheias, a perda de normas de convivência social, a luta pelo poder sem limites, o fumo que mata cada vez mais, e é tão propagado na TV como sinônimo de grandeza, saúde, prazer e masculinidade. A droga que destrói o indivíduo tem sido hoje propagada como um direito do homem ao exercício de sua liberdade. O álcool participa de todos os encontros, reuniões e confraternizações como objeto de prazer insubstituível. 

Assim, o álcool, o fumo e a droga vão sendo incorporados à vida social. Fica a cargo dos meios de comunicação propagá-los e incentivar seu consumo, viraram uma mercadoria que não pode faltar nos momentos mais importantes e marcantes da vida social. Acabou por possuindo vida própria e comanda a vida das pessoas tornando-as dependentes. Dependentes e alienados do processo de construção da história. Podemos concluir que estas drogas têm uma função social que é a de alienar, por isso são tão cultuadas. E mais, o álcool, o tabaco, a cafeína e uma grande quantidade de psicofármacos, altamente adictivos e perigosos para a saúde, são utilizados, propalados inclusive idealizados até limites insuspeitados e sua comercialização, legal e ilegal, conta com a cumplicidade de todos. 

“Marx nos diz que, na sociedade capitalista, os objetos materiais possuem certas características que lhes são conferidas pelas relações sociais dominantes, mas que aparecem como se lhes pertencessem naturalmente. As propriedades conferidas a objetos materiais na economia capitalista são reais e não produto da imaginação só que não são propriedades naturais. São sociais. Constituem forças reais não controladas pelos seres humanos e que, na verdade exercem controle sobre eles; são as “formas de aparência” objetivas das relações econômicas que definem o capitalismo”. (Dicionário do pensamento Marxista, pg. 149, Tom Bottomore).    

Situo o alcoolismo e a drogadição dentro desta perspectiva visto que a ele foi conferido propriedades que nos parecem naturais. É natural ir a uma festa e beber, é natural beber no fim do expediente de trabalho, é natural beber antes de jantar, nos fins de semana. Não se programa uma festa, jantar ou reunião sem oferecer uma bebida. Tornou-se natural o uso do álcool nas relações sociais que estabelecemos com os outros. E hoje é cada vez mais fácil encontrar drogas ilícitas nas festas, principalmente aquelas onde estão os mais jovens. 

Sutilmente o álcool e as drogas vão entrando em nossas vidas e em nossas relações. Sutilmente ele entra nas casas, nas vidas das pessoas, pela TV, pelas revistas e pelas propagandas induzindo o consumo do álcool. Algumas cenas da televisão, em novelas, chegam a mostrar o indivíduo através do copo de whisky sendo que o foco é a bebida, ou seja, ela é que dá o significado ao indivíduo e este é um mero objeto visto do outro lado. O culto que se faz à bebida na TV é grande. 

Nós o adquirimos e ele passa a participar do nosso dia-a-dia. Desde pequena a criança se acostuma com a bebida alcoólica como natural dentro de casa e na mesa. 

As bebidas alcoólicas estão entre os produtos mais anunciados nos horários nobres das Tv’s. Sem contar nas propagandas indiretas, em novelas e filmes. Devido a isso, encontramos hoje crianças de 12 ou 13 anos se iniciando no consumo de álcool e até menores do que esta idade há casos de crianças de 7 e 8 anos já alcoólatras. A sociedade não se dá conta que é ela quem legitima o uso e o abuso do álcool, já que ele é uma mercadoria “natural” e desde crianças nos acostumamos a vê-lo através das propagandas, nas festas e na mesa de refeições. Dificilmente não existe uma bebida dentro de uma casa. Somente quando houve uma experiência bastante dolorosa com ela, é que é banida do lar.

Como faz parte de nossa cultura ter a bebida mediando nossas relações é difícil conscientizar o perigo que ela pode se tornar para o indivíduo e para a sociedade. Só se toma consciência quando ela passa a destruir estas relações. Nem todos se tornam alcoolistas, mas um grande número tem se tornado. Isso tem aumentado com a atual desestruturação social.

 

3 - O Sistema Nervoso

 

O Sistema Nervoso Central

O SNC divide-se em encéfalo e medula.

 O córtex cerebral está dividido em mais de quarenta áreas funcionalmente distintas, sendo a maioria pertencente ao chamado  neocortex. 

 

Vista do Neocortex

 

Áreas do cérebro com suas funções

 

Sistema Límbico 

O Sistema Límbico é um grupo de estruturas que inclui hipotálamo, tálamo, amígdala, hipocampo, os corpos mamilares e o giro do cíngulo. Todas estas áreas são muito importantes para a emoção e reações emocionais. O hipocampo também é importante para a memória e o aprendizado. 

 

 

Vista Superior                               Vista Lateral

 

Vista Inferior                                         Vista Medial

 

Esses lobos são pares, dois de cada, um de cada lado do cérebro, um em cada hemisfério. O lobo frontal encontra-se limitado pelos sulcos central e lateral. Ele se localiza na fossa crânica anterior. 

 O lobo parietal estende-se do sulco central, anteriormente, até uma linha arbitrária, posteriormente (entre um sulco acima, o sulco parieto-occipítal, e uma indentação abaixo, a incisura occipital).

 O lobo occipital localiza-se atrás desta linha.  O lobo temporal situa-se anteriormente a esta linha e abaixo do sulco lateral. Ele se localiza na fossa crânica média.   

O sulco calcarino está localizado na superfície medial do lobo occipital, mas pode se estender à superfície súpero-lateral do hemisfério. O lobo occipital está relacionado especialmente com a visão.

 

 

 

 

 

Esquema da divisão da parte central do sistema nervoso. Corte mediano

 

 

4 - Compreendendo a dependência de drogas

 

O abuso de drogas é um problema complexo capaz de comprometer todas as áreas de funcionamento da vida do usuário: biológica, psicológica e social. Cada classe de drogas possui seus riscos característicos e os efeitos de uma mesma substância, podem varias de pessoas para outra. Todas as drogas aqui mencionadas afetam o sistema nervoso central (SNC), causam intoxicação, provocam dependência psicológica e são auto-administradas com o propósito de alterar o estado de consciência – são capazes de provocar algum tipo de prazer ou afastar sentimentos desagradáveis, pelo menos a curto prazo. Pelo fato do individuo estar tentando alterar a sua percepção da realidade, os efeitos serem agradáveis e temporários, é necessário repetir constantemente as doses, o que transforma a situação num círculo vicioso de difícil interrupção. 

Qualquer pessoa que nunca tenha feito uso de tais substâncias é capaz de viver perfeitamente bem sem precisar fazê-lo; mas se houver uma experiência agradável, após certo período de uso, o organismo poderá incorporá-las, passando a depender dessas substâncias para “funcionar normalmente”. Isso ocorre porque os neurônios produzem uma série de neurotransmissores (mensageiros químicos) responsáveis pelas sensações de bem-estar e euforia. A droga age nessas células e aumenta a produção desses neurotransmissores, intensificando o prazer.

Após ter incorporado a substância, o organismo necessitará da continuidade do uso para manter-se em equilíbrio, podendo apresentar vários sintomas desagradáveis em caso de privação. 

Ansiolíticos ou tranqüilizantes (drogas que diminuem a atividade mental): depressoras do sistema nervoso central (SNC) agem no cérebro lentificando seu funcionamento, reduzem a capacidade de atenção, concentração, tensão emocional e provoca, perdas na capacidade intelectual. Ex: álcool, inalantes (colas e solventes), morfina e heroína.

  

5 - Mecanismos neuroquímicos da euforia e auto-administração de drogas

 

Pretendo neste tópico explicar os mecanismos neuroquímicos que levam a euforia. Farei uma breve explanação do que as drogas, como: a cocaína, a heroína, a morfina, a nicotina, a maconha e o álcool atuam no nosso cérebro para ativar o prazer e/ou a euforia. 

Para uma compreensão destes mecanismos, vale salientar o papel dos neurotransmissores implicados no uso de drogas. Estes neurotransmissores são: a dopamina (indispensável para a atividade normal do cérebro. Sua ausência provoca a doença de Parkinson, pois está relacionada ao comportamento motor e à ação); a serotonina (aparece cedo na evolução e, portanto, desempenha um papel importante no cérebro; está ligada ao manejo da dor, governa a alimentação, o sono e muitas funções vegetativas; está associada à depressão, ansiedade, comportamento agressivo, obesidade e outros distúrbios alimentares, disfunção sexual, a migrânea - dor que vem sendo descrita há milhares de anos. É popularmente conhecida no Brasil e nos países de língua espanhola como enxaqueca - e dor crônica); a norepinefrina (adrenalina), é encontrada no sistema nervoso periférico e no cérebro, influencia o sistema de serotonina, seu papel é ajudar a processar e priorizar a entrada de informação sobre o estado atual do mundo, atua na modulação do medo e da ansiedade e na memória - fundamental no mecanismo da elevação da pressão sangüínea; importante na produção de respostas fisiológicas rápidas do organismo aos estímulos externos, atua como estimulante cardíaco, vasoconstritor nas hemorragias da pele, para prolongar os efeitos de anestésicos locais, e como relaxante muscular na asma brônquica). 

Segundo Piszka, o mecanismo implicado no abuso de drogas são aqueles ligados aos bloqueadores da recaptação de dopamina no cérebro. O uso da cocaína e estimulantes, segundo o autor, sugere que a euforia produzida por estas drogas tem parte de sua ação neste circuito. Esses poderosos bloqueadores da recaptação da dopamina ligam-se à área rica de dopamina chamada estriado. O “barato” (ou a euforia) é vivenciado somente durante o período no qual a droga está bloqueando agudamente a recaptação de dopamina, ou seja, em um minuto ou dois depois de administrado e embora a droga permaneça ligada à recaptação por vários minutos, o “barato” dissipa-se muito mais rapidamente. 

 A heroína ou morfina, drogas opiáceas, já atuam imitando os efeitos dos peptídeos opióides endógenos. Os opiáceos parecem ter efeitos diferentes nesses dois sistemas transmissores. Os neurônios opiáceos inibem a liberação de GABA com isso o índice de disparos aumenta e mais dopamina é liberada. Os opiáceos estimulam alguns receptores responsáveis pela estimulação de proteínas que ativam canais de liberalização potássio e assim, reduzem a atividade de uma localização no cérebro chamada Lócus Ceruleus que normalmente promove excitação e ansiedade antecipatória. Por essa ação podemos dizer que os opiáceos exercem efeitos ansiolíticos e sedativos.

 Os cigarros dão muito prazer aos fumantes e levam à dependência, embora não produza um “barato”. A nicotina estimula a ATV (área tegmentar ventral) que é uma rota que viaja para o córtex, quando dispara potenciais de ação no nos axônios, libera dopamina.

 No estudo do substrato neuronal do uso de drogas é necessário caracterizar a fase de seu desenvolvimento. As principais etapas são: aquisição e manutenção, dependência (perda do controle da ingestão), retirada, desejo compulsivo e recaída. Os mecanismos neurobiológicos implicados em cada fase parecem ser diferentes e podemos distinguir dois nesta análise: o nível molecular e celular e o nível de sistemas neuronais.

 No primeiro nível existem algumas controversas acerta do sítio (local) primário de ação de cada droga. As drogas podem atuar em diferentes receptores. Assim, os psicoestimulantes atuam sobre a neurotransmissão monoaminérgica - de noradrenalina (NA), serotonina (5HT) e/ou dopamina (DA). O efeito reforçador da cocaína, por exemplo, parece depender principalmente do bloqueio da recaptação da DA, enquanto a anfetamina promove a liberação da amina na fenda sináptica. Já a nicotina estimula receptores nicotínicos da acetilcolina. Mas, como nos casos anteriores, seus efeitos psicoestimulantes são atribuídos ao efeito secundário de promover a liberação da DA.      O álcool parece atingir numerosos alvos simultaneamente. Portanto, o efeito reforçador parece depender de vários sistemas de neurotransmissão.

 O uso crônico de drogas faz surgir numerosas adaptações que produz aumento dos receptores nicotínicos. De modo geral, a neuroadaptação ocorre nos mecanismos de transdução, por exemplo, mudanças nos mensageiros secundários (adenilato ciclase, proteína, etc.) alteram a fosforilação de receptores e transportadores, modificando sua função. Afetam também a expressão de genes codificadores de proteínas estruturais e funcionais dos neurônios.moleculares que podem estar relacionadas com a tolerância e a síndrome de retirada. No geral, os sítios primários de ação são pouco alterados. Uma exceção é a nicotina.

No segundo nível, os estudos experimentais tem-se voltado para o esclarecimento do substrato neural do valor reforçador positivo, ou seja, a recompensa das drogas.O principal é o sistema dopaminérgico mesolímbico que se origina na área tegmentar ventral do mesencéfalo e inerva o estriado ventral, inclusive o núcleo accumbens e outras regiões do sistema límbico, como a amígdala e septo. É seguro que a iniciação e a manutenção da auto-administração de psicoestimulantes depende da ativação do sistema dopaminérgico mesolímbico.

 Estuda-se se o aumento da dopamina no accumbens é determinante do comportamento de auto-administração, ou meramente seu correlato. Condições farmacológicas elevam os níveis de DA no estriado ventral, entre as quais a presença de alimento, parceiro sexual, oponente em encontros agressivos, auto-estimulação elétrica intracerebral e estímulos condicionados que sinalizam experiências agradáveis e desagradáveis. Estes resultados, entre outros, fundamentam a hipótese de que o efeito reforçador das drogas é devido ao fato de ativarem o mesmo substrato neural acionado por reforçadores naturais.

Como já dito, é importante compreender o papel de neurotransmissores na auto-administração de drogas. O sistema serotonérgico exerce papel importante papel modulador. Agentes psicoestimulantes, como a cocaína e a anfetamina afetam a neurotransmissão serotonérgica (e noradrenégica) da mesma forma que a dopaminérgica. Verificou-se também, que lesões neurotóxicas seletivas de neurônios serotonérgicos facilitam a auto-administração de cocaína.

 Alem disso, os neurônios estriatais que recebem inervação dopaminérgica são também inervados por vias glutamatérgicas (glutamato: neurotransmissor secundário) provenientes do córtex pré-frontal, hipocampo e amígdala. Assim, é provável que o glutamato também regule o comportamento de auto-administração. A amígdala e o hipocampo têm papel importante na aprendizagem e na memória, portanto, é possível que vias glutamatérgicas relacionadas com essas estruturas influenciem o condicionamento da auto-administração de drogas.

   

6 - O aspecto biopsicossocial da dependência

 

O abuso de substâncias é caracterizado quando há prejuízo ou sofrimento, por conseqüência de um ou mais dos seguintes aspectos, dentro de um período de 12 meses: usar várias vezes a substância e deixar de cumprir obrigações importantes seja no trabalho, na escola ou em casa; uso repetido da substância em situações nas quais a pessoa esteja correndo riscos físicos (por exemplo: dirigir veiculo embriagado ou operar máquinas); vários problemas com a polícia; uso continuado da substância apesar dos problemas sociais ou interpessoais que já existam ou possam ser causados. 

Há no organismo uma vulnerabilidade, que significa uma tendência ou uma capacidade de tornar-se dependente. Essa capacidade, não significa que o individuo tenha herdado a dependência de familiares – os fatores genéticos estão ligados à vulnerabilidade e não à dependência. A ocorrência de vários casos numa mesma família, pode indicar a existência de um fator que favorece a instalação da dependência mais rapidamente que nos grupos familiares onde não há nenhum caso.

Se os efeitos experimentados pelo individuo forem prazerosos, ele tenderá a usar mais vezes a substância, em especial se acreditar poder controlar a situação sempre.

 

Vulnerabilidade e risco de dependência 

As drogas interferem em mecanismos neurobiológicos fundamentais, então é preciso perguntar por que nem todos os usuários se tornam dependentes delas? A resposta pode estar na vulnerabilidade às drogas. E isso é determinado por fatores múltiplos, tais como: personalidade individual, transtornos psiquiátricos coexistente, idade e ambiente social.

A vulnerabilidade individual está ligada a personalidade do individuo. Uma personalidade anti-social e outra passivo-dependente, pode tornar-se dependente rapidamente. A primeira por combinar impulsividade com tendência extrema de busca de novidade,prazer, destemor e baixa capacidade de evitar punições. Como necessitam de um alto nível de estimulação para se sentirem bem, acabam por iniciar o uso de drogas, às vezes, muito cedo. O segundo por ter uma baixa impulsividade e alto nível de ansiedade, busca drogas mais sedativas, como o álcool por exemplo.

Frequentemente usuários de drogas apresentam transtornos psiquiátricos e o uso de certas drogas pode ser uma automedicação. A depressão facilita o uso da nicotina e de psicoestimulantes. Algumas pessoas com síndrome do pânico só saem de casa depois de altas doses de álcool.

Influências genéticas também podem favorecer a dependência de drogas por causa da hereditariedade. O que pode ter sido herdado é a vulnerabilidade e não a dependência (mencionamos isso anteriormente). Assim, a hereditariedade associada à depressão e ao fumo é da ordem de 50% a 60% em gêmeos fraternos, por exemplo, e esta variação é maior em relação ao álcool.

Fatores ambientais irão favorecer indivíduos com alto risco genético. Ambientes familiares e sociais são importantes. A maneira como uma criança é educada pelos pais, as atitudes dos familiares dos companheiros fora de casa influenciarão bastante o uso de drogas. Assim, o estresse, a facilidade de conseguir drogas, atitudes complacentes ou favoráveis dos colegas e a ausência de familiares e amigos que desaprovariam a sua conduta favorecem o abuso de drogas.

 

Como identificar a dependência

 

De acordo com o DSM – IV (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), uma pessoa está dependente quando apresenta pelo menos três dos critérios abaixo: 

- Quando a pessoa quer usar uma determinada quantidade de drogas e acaba usando mais do que pretendia.

- Quando quer usar por um determinado período de tempo e passa mais tempo usando do que pretendia.

- Sente desejo forte e persistente de usar a droga.

- Gasta muito tempo para conseguir a droga, para se drogar ou para recuperar-se dos efeitos.

- Intoxica-se com freqüência ou apresenta mal-estar quando é privado do consumo.

- Continua a usar mesmo sofrendo pressão no trabalho, na escola, em casa ou quando o uso da droga é perigoso fisicamente.

- A pessoa abandona as atividades sociais, profissionais e seus programas de lazer devido ao uso da droga.

- Mesmo sabendo que a droga causa problemas sociais, psicológicos e físicos persistentes, a pessoa continua a usar.

- Desenvolve tolerância com o passar do tempo, ou seja, é preciso aumentar as doses para conseguir os mesmos resultados.

- Passa a usar a droga com maior freqüência, por exemplo: antes usava uma vez por mês, depois passou a usar semanalmente, todos os dias, etc.

- Na falta da droga, apresenta mal-estar.

Várias tentativas fracassadas de interromper o uso.

 

Dependência Física

 

O uso contínuo de uma substância pode provocar alterações fisiológicas no organismo e desenvolver sintomas desagradáveis quando a droga é retirada. Só é considerada dependência física, quando estiverem presentes os seguintes aspectos: 

a) tolerância: é a capacidade de suportar doses cada vez maiores de uma droga para atingir os mesmos efeitos. Este fenômeno ocorre por duas razões: o fígado passou a metabolizar (destruir) a substância mais rapidamente ou a droga provocou alterações no funcionamento das células no sistema nervoso central. 

b) síndrome de abstinência: é o aparecimento de sintomas físicos quando o uso da droga é interrompido.

 
Dependência Psicológica

 

A dependência psicológica é a crença de que é necessário usar a droga, para atingir uma sensação de bem-estar. Todas as drogas podem causar dependência psicológica. 

Algumas pessoas usam drogas como muletas, fazendo delas um meio para lidar com as dificuldades da vida ou para afastar situações que acreditam não ser capazes de suportar. Pessoas tímidas bebem muitas vezes, para ficar mais à vontade, mais desinibidas ou extrovertidas. Algumas pessoas acreditam que para serem aceitas socialmente, precisam beber para acompanhar os amigos; de outra maneira sentem-se inferiorizadas. 

Há pessoas que vivem em conflito com a família, com o trabalho ou não têm habilidades para lidar com determinadas situações; e há ainda pessoas que sofrem de depressão e abusam de drogas para aliviar o mal-estar gerado por tais conflitos ou para afastar a angústia provocada pela doença.

 

Tolerância

 

Indivíduos dependentes intoxicam-se mais dificilmente e necessitam de maiores quantidades do que os não dependentes. Tal fato promove no individuo a crença de que estão mais fortes para beber, mas na verdade o organismo já se adaptou à droga e pequenas quantidades não produzem mais nenhum efeito. Após longos anos de abuso, o usuário pode desenvolver a perda da tolerância, isto é, intoxicar-se com pequenas quantidades. 

O individuo com dependência de álcool, por exemplo, não apresenta problemas com bebidas na fase inicial, pois começa com pequenas doses, geralmente em festas ou barzinhos com amigos. Com o passar do tempo, passa a consumir doses maiores e diminuir os intervalos entre um beber e outro. O aumento progressivo do consumo para obter os mesmos resultados e a diminuição dos intervalos caracteriza a tolerância.

 

Síndrome de abstinência

 

Síndrome de abstinência é o mal-estar provocado pela interrupção abrupta do abuso de drogas. Isso acontece por que o organismo está “acostumado” e sente necessidade da substância. 

Para entender melhor o que é síndrome de abstinência,devemos compreender o que cada palavra significa: Síndrome é um conjunto de sinais e sintomas, sendo sinais, tudo o que a pessoa apresenta fisicamente (transpiração, temores, etc.), Sintomas, são as queixas que a pessoa apresenta (ansiedade, angústia, medo, sensação de estar sendo perseguida ou vigiada, etc.). Abstinência é a privação, ou seja, deixar de fazer algo voluntariamente ou por ser impedido. Síndrome de abstinência é o conjunto se sinais e sintomas apresentados quando é interrompido abruptamente o abuso de álcool ou outras drogas.

Cada droga produz um tipo de síndrome, abstinência e representa sofrimento real (físico ou psicológico). A síndrome de abstinência de drogas como o álcool, a morfina, heroína e cocaína, pode provocar aceleração de batimentos cardíacos, queda de pressão arterial, fortes dores abdominais, angústia, aumento da salivação, agitação psicomotora, sensação de estar morrendo, transpiração excessiva, tremor intenso, insônia, náusea, vômitos, alucinações (sensação de insetos caminhando sobre a pelo, perceber objetos e pessoas diminuídas etc.), ansiedade e convulsões.

  

6.1 - Dependência de Álcool

 

Por ser uma droga socialmente aceita, as pessoas aprendem a conviver com bebidas alcoólicas, iniciam o processo de dependência com o consumo moderado, restrito às ocasiões sociais e podem tornar-se dependentes. A passagem do beber moderado para a dependência, não ocorre da noite para o dia, comumente demora vários anos. O prazo médio para a instalação da dependência é de dez anos para homens e oito anos para mulheres. Esse número pode variar muito de uma pessoa para outra. O consumo maciço e por tempo prolongado de bebida alcoólica desenvolve no sistema nervoso central (SNC) a tolerância a essa substância. A evolução da dependência aumente os danos e multiplica os sintomas de abstinência.

  

Efeitos predominantes

 

Os efeitos predominantes do álcool são: alterações na capacidade de julgamento e no humor, fala arrastada, atividade motora prejudicada (marcha instável ou oscilante), déficit de atenção, agressividade, amnésia, rubor facial, alteração de comportamentos com prejuízo no campo social ou ocupacional.

Os sintomas de abstinência são tremores que ocorrem eventualmente ou todas as manhãs, que em casos graves, atingem graus incapacitantes, náuseas ao escovar os dentes ou após o café da manhã, sudorese e perturbações do humor. Nas fases iniciais, a irritabilidade é comum; em estágios mais avançados, podem aparecer quadros apavorantes de agitação e depressão e uma necessidade incontida de acordar no meio da noite para beber. 

Supervalorização da bebida: caracterizada pelo desprezo por atividades apreciadas anteriormente (jantar com familiares, passear com filhos e/ou esposa, jogar com amigos, passear com cachorro...) e utilização desse tempo para beber. Participação apenas nos eventos nos quais haverá bebida alcoólica e organização do trajeto e do tempo para ir aos lugares já estabelecidos para beber. 

Aumento da tolerância do álcool: o organismo passa a suportar doses cada vez maiores de bebida alcoólica, sem apresentar sintomas de intoxicação (embriaguez). Nos casos de dependência grave pode ocorrer a perda da tolerância. 

Sintomas repetitivos de abstinência: algumas horas após a interrupção da ingestão prolongada surgem tremores grosseiros, náuseas, suor intenso e perturbações do humor (irritabilidade, depressão, etc.), fraqueza, alucinações ou ilusões transitórias. Esses sintomas podem surgir pela manhã, em graus mais leves ou mais severos, dependendo do estado físico da pessoa e da gravidade da dependência. Alívio dos sintomas de abstinência: os sintomas de abstinência são removidos pela ingestão de mais bebidas alcoólicas. 

Compulsão para beber: a compulsão para beber pode ser entendida como perda de controle ou desistência do controle sobre a bebida. Refere-se a um desejo incontrolável, uma ordem subjetiva para ingerir bebida alcoólica. Pequenas doses não são suficientes para satisfazer uma grande necessidade (tolerância), é preciso beber mais e mais. Tentar controlar esse abuso é praticamente inútil, logo a pessoa desiste de tal controle e passa a beber até onde seu organismo suportar ou quanto puder pagar pela bebida. 

Reinstalação da tolerância após anos de abstinência: a tolerância ao álcool em geral demora anos para se instalar e após longos períodos de abstinência (muitos anos), ela se reinstala muito rapidamente se a pessoal voltar a ingerir bebida alcoólica. Isso ocorre pelo fato do uso prolongado de álcool, produzir alterações bioquímicas irreversíveis no cérebro. 

Problemas clínicos: a dependência de álcool pode ocasionar uma extensa lista de problemas clínicos, que dificilmente são associados à ingestão excessiva pelo dependente. Muitos desses problemas são produzidos pelos efeitos diretos do álcool sobre o organismo, outros são secundários, se manifestam pelo descaso alimentar, posto que o consumo pesado de álcool diminui significativamente o apetite. 

Câncer: o álcool é o maior responsável pelos casos de câncer de boca, faringe, laringe, esôfago e fígado. O Fígado pode ser atacado pela cirrose (doença crônica do fígado, caracterizada por alteração de suas células).

Fígado Normal
 

 

Fígado com Cirrose (1ª fase)

Fígado com Cirrose avançada

Alterações sangüíneas: o alcoolismo pode provocar vários tipos de anemias, hemorragias, doenças do fígado (como a cirrose e hepatite), desnutrição, infecções crônicas, diminuição dos glóbulos brancos ou aumento do tamanho real dos glóbulos vermelhos (macrocitose).